23.1.06

O Pai Piolho....


descobriu este texto.... e eu amei:

"Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos seus próprios filhos. É que as crianças crescem independentes de nós, como árvores tagarelas e pássaros estabanados. Crescem sem pedir licença à vida. Crescem com uma estridência alegre e, às vezes, com alardeada arrogância. Mas não crescem todos os dias de igual maneira. Crescem de repente.·Um dia sentam-se perto de nós no terraço e dizem uma frase com tal maturidade que sentimos que não podemos mais trocar as fraldas daquela criatura. Como é que cresceu aquela “pestinha” que não percebemos? Onde está a pazinha de brincar na areia, as festinhas de aniversário com palhaços e o primeiro uniforme do colégio? A criança cresce num ritual de obediência orgânica e desobediência civil. E você está agora ali, à porta da discoteca, esperando que ela não apenas cresça, mas apareça! Ali estão muitos pais ao volante, esperando que eles saiam esfuziantes sobre patins e cabelos longos, soltos. Entre hambúrgueres e refrigerantes nas esquinas, lá estão os nossos filhos com o uniforme de sua geração: incomodas mochilas da moda aos ombros. Ali estamos, com os cabelos esbranquiçados. Estes são os filhos que conseguimos gerar e amar, apesar dos golpes dos ventos, das colheitas, das notícias, e da ditadura das horas. E eles crescem amestrados, observando e aprendendo com nossos acertos e erros. Principalmente com os erros que esperamos que não repitam.·Há um período em que os pais vão ficando um pouco órfãos dos próprios filhos. Não mais os iremos buscar às discotecas e festas. Passou o tempo do ballet, do inglês, da natação e do judo. Saíram do banco de trás e passaram para o volante de suas próprias vidas. Deveríamos ter ido mais à cama deles ao anoitecer para ouvir a sua alma a respirar conversas e confidências entre os lençóis da infância, e os adolescentes cobertores daquele quarto cheio de adesivos, pôsteres, agendas coloridas e discos ensurdecedores. Não os levámos suficientemente ao parque, ao Shopping, não lhes demos suficientes hambúrgueres e cocas, não lhes comprámos todos os gelados e roupas que gostaríamos de ter comprado. Eles cresceram sem que esgotássemos neles todo o nosso afecto.·No princípio subiam a serra ou iam à casa de praia entre embrulhos, bolachas, engarrafamentos, natais, Páscoas, piscina e amiguinhos.·Sim, haviam as brigas dentro do carro, a disputa pela janela, os pedidos de pastilhas e cantorias sem fim. Depois chegou o tempo em que viajar com os pais começou a ser um esforço, um sofrimento, pois era impossível deixar os amigos e os primeiros namorados.·Os pais ficaram exilados dos filhos. Tinham a solidão que sempre desejaram, mas, de repente, morriam de saudades daquelas "pestes". Chega o momento em que só nos resta ficar de longe torcendo e rezando muito (nesta altura, se tínhamos desaprendido, reaprendemos a rezar) para que eles acertem nas escolhas da busca da felicidade. E que a conquistem do modo mais completo possível. O jeito é esperar: a qualquer hora podem nos dar netos. O neto é a hora do carinho ocioso e estucado, não exercido nos próprios filhos e que não pode morrer connosco. Por isso os avós são tão desmesurados e distribuem tão incontrolável carinho. Os netos são a última oportunidade de reeditar o nosso afecto. Por isso é necessário fazer alguma coisa a mais, antes que eles cresçam.·Aprendemos a ser filhos depois que somos pais. Só aprendemos a ser pais depois que somos avós..."

Texto de Affonso Romano de Sant'Anna



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